sábado, 10 de outubro de 2009

Coisas tantas e fascinantes.


Selma Weissmann














Coisas tantas e fascinantes















2007









Ondina, dona Ondina.
A menina, curiosa e dissimulada, ao ouvir o nome Ondina, imaginava seios fartos em luxuoso decote de veludo preto, oscilando feito ondas, em dia de maré calma.


















A mãe e as tias sussurravam quando falavam de Ondina, cuidavam que as crianças não ouvissem, aumentando ainda mais a curiosidade da menina astuta, que fingia se ocupar de qualquer coisa menos suspeita do que o intrigante mistério de Ondina.
Entreouvia palavras magníficas: divórcio, petulância, roupas raras feitas por modistas, leques de plumas, coisas tantas e tão fascinantes que, quando tinha febre, a menininha delirava, imaginando o mundo suspeito e atraente de Ondina, em ondas, quebrando suaves no decote macio.











E a beleza? Ao falarem da beleza de dona Ondina, a mãe e as tias, que ainda eram bonitas, pareciam se recolher à senzala das mulheres feias. Negros cabelos de azeviche, carnudos lábios obscenos de batom vermelho, olhos escuros e pintados de (aí a menina ouviu a palavra mais bonita) : “prostituta”.














Enquanto as mulheres conversam e bordam na varanda, Menina , às escondidas, consulta o dicionário do avô. A resposta não esclarece nem agrada : “mulher de vida fácil, meretriz”. Decepcionada, volta ao alpendre e ouve uma das tias: “à luz do sol, que Deus me perdoe, mas é um descaramento”. Outra tia, esta muito míope : ”foi ela, sim, que acabou de passar, estou sentindo o perfume indecente! “A mãe: ”é uma pena, mulher tão bonita.”











Ao perceber que havia perdido talvez a única oportunidade de ver de perto dona Ondina, a prostituta que acabara de passar diante da casa dos avós, a menina deu meia volta e correu. Passou pela sala de visitas, pela sala de jantar, pelo corredor dos quartos, pela despensa, banheiro e cozinha. Ofegante, desceu a escada que levava ao tanque de lavar roupas, atravessou o longo quintal e chegou ao portão dos fundos, na garagem onde ficava o Chevrolet preto.












Deitou no chão e, pelo estreito espaço abaixo do portão, ainda teve tempo de ver os pés branquíssimos, calçados em estupendos sapatos de saltos muito altos e finos, listrados de preto e branco: listrinhas bem finas, discretas, a coisa mais inusitada que já vira.












Continuou deitada no chão até parar de ouvir o toc-toc dos passos de Ondina. Respirou fundo várias vezes, apreciando o ar puro da tarde verde e resolveu: ”quando crescer, só vou usar sapatos bonitos assim, de meretriz”.

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