sexta-feira, 21 de maio de 2010


Delikatessen de farmácia.
Sempre gostei de farmácias. Ainda menina, eu comprava esmaltes e batons com o dinheirinho que surrupiava de minha mãe. Quase escrevo minha pobre mãe, mas ainda não é hora. O produto do roubo era experimentado à noite, no banheiro. Lâmpada amarela, lábios vermelhos, unhas infantis pintadas de rosa-puta.
Mais tarde, a compra furtiva de absorventes que a farmácia já mantinha discretamente embrulhados em papel rosa-antigo. Camuflagem idiota, os meninos da rua nem ligavam para a menina magra menstruada.
Nesta época descobri que remédios para o fígado podiam me deixar menos infeliz. Talvez alguma remota ligação com “inimigo figadal”.
Depois vieram os antialérgicos que engordavam. Não engordei e tive que apelar para o soutien com enchimento. Eficaz mesmo foi o “Vinho reconstituinte Silva Araujo”, ótimo aperitivo responsável por uma geração de alcoólatras.
Em seguida os medicamentos contra ressaca. Meu pai saiu para comprar Engov para mim, acreditando numa suposta enxaqueca.
Desculpe, Herr Professor, você remediou um Day after de uma noite de muito champagne ordinário. A culpa que ainda sinto é muito doída, mas continuei a tomar vinhos vagabundos.
Na fase dos filhos, os antibióticos rosados, servidos em copinhos de plástico, traziam de novo cores e alegria às crianças febris.
Quando minha, aí sim, pobre mãe adoeceu, as idas à farmácia eram tristes. Sempre havia um pássaro agourento no caminho e eu sabia que nenhuma poção seria milagrosa.
Hoje? Antidepressivos, hormônios, cremes anti-idade que não funcionam e ainda muitos esmaltes e batons.

Tolices com ácaros.
Gosto de poeira, de prateleiras cheias de mistérios, do debaixo da escada, das traças. Gosto até da barata grande que mostra as antenas no desnível do forro de madeira e, de alguma forma, sabe que não vou matá-la.
Cartas amareladas de minha mãe, a letra pequena de professora. Textos de meu pai, borrados de papel carbono, às vezes achados no fundo da gaveta de lingerie.
Retratos de cachorros que já morreram e meus próprios retratos antigos, menina boba que envelheceu e ainda passa baton e insiste no colorido.
Dos cupins não gosto, mas não os vejo.
Respeito a lagartixa que não entra em meu quarto pois sabe que tenho medo dela, das ventosas nas patinhas, da pele fria.
Demais, gosto dos cachorrinhos filhotes que às vezes fazem xixi na minha cama, mas nem ligo, só arredo meu corpo para o seco. São laguinhos de leite.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

3 desenhistas - 1977.

Gilberto, Humberto & Selma - 1977

formações - selma weissmann, gilberto de abreu e humberto guimarães
esta formação foi idealizada em setembro/novembro de 1977 por márcio sampaio; crítico de arte, artista plástico, escritor e à época, responsável pelo setor de artes plásticas do palácio das artes, bh.
esta formação fez uma parte da exposição: três tempos do desenho de humor. realizada na grande galeria do pa, hoje galeria alberto da veiga guignard.
o primeiro capítulo da exposição era representado pelo desenhista alemão, heinrich fleuiss, que chegou ao brasil em 1858, montou uma tipografia no rio de janeiro por onde publicou o pasquim semana illustrada, de 1860 a 1878. dessa publicação foram expostas 30 páginas.
o segundo capítulo da exposição é representado por outro alemão; o karl arnold e dele, 74 caricaturas publicadas no semanário simplicíssimus, nos anos 20, na alemanha.
e no terceiro, nós três completávamos o ciclo dos três tempos do desenho de humor.
eu e o humberto publicávamos sempre em jornais e revistas, e fomos assim descritos pelo márcio sampaio, "... mas os dois artistas fazem um desenho que vale por si mesmo tanto por se alimentarem numa rara inventividade como pelo alto nível de execução. (...)"
a selma assim: "... se baseia nas técnicas de deformação da caricatuta tradicional. contudo, a artista ultrapassa essas limitações para criar um desenho ágil, cujo humor se encontra mais na série de situações formais criadas no desenho sobre o próprio desenho, do que na deformação das figuras dos personagens. (...)".
foto: manoel augusto serpa

sábado, 1 de maio de 2010

A volta.

A volta.
(texto escrito há alguns anos atrás, em momento de aflição).
Vou arrumar a casa, arrumar minha cara, espantar os insetos e as aflições. Um cheiro bom de flores e desinfetante vai anunciar a expectativa de receber você.
A vizinhança, os amigos, o mendigo, o vigia dos carros, todo mundo irá buscar nos guardados as roupas de festa e os melhores sorrisos. Bandeirinhas, faixas, balões e lindos fogos de artifício. Banda de música, toda gente dançando cirandas quase sem tocar o chão.
Nossos cachorros pressentem sua chegada e correm ansiosos por toda a casa.
Ao chegar, vendo tanto festejo, você cumprimentará a todos com sorriso gentil, estenderá sua linda mão a beijos respeitosos, dirá que está com sono, tiau, boa noite, obrigada, e se recolherá a seu quarto que cheira a cera e lustra móveis.
Você dormirá cansada e um pouco sábia, enquanto nosso povo continua a festejar a alegria de rever você.

Ruêro.


Ruêro.
Upload feito originalmente por Selma Weissmann