quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

31 de dezembro.

31 de dezembro de 2009.

A impressão é de que sou a mulher do filme que havia morrido e não sabia, ou então que o mundo acabou e só eu sobrei, sozinha, sozinha, sozinha.
Chove sem parar e faz calor. As plantas de dentro de casa estão secas. Por causa da chuva eu devo ter pensado que não precisavam de água.
A casa é enorme e eu sou grande e desajeitada dentro dela, só no meu cantinho consigo me acomodar, os dois cachorros ao lado, apreensivos ao menor ruído. Uma folha seca que cai, a madeira da escada estalando, o gatinho que mia no telhado, ao mínimo sinal os cães levantam as orelhas e farejam o ar com desconfiança. Logo em seguida se enrodilham e dormem, enquanto eu continuo a vigília.
Uma voz de mulher, alguém disse algo na vizinhança. Não consigo entender as palavras mas é algo que soa como “fica com Deus”.
O toque do telefone me sobressalta, deve ser engano ou trote.
Não é. Uma voz amiga me comunica estar vindo para cá, vai trazer um peru, vinhos e uvas para fazermos uma ceia.
Claro, tenho arroz e batatas na geladeira, venha logo.
E que Deus lhe abençoe.

2010!

Vamos fazer uma cara boa para 2010.

Ego


Ego
Upload feito originalmente por Selma Weissmann

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009


Um ruído familiar fez com que eu olhasse para trás, para o canto do muro do cemitério israelita. Lá estavam elas, as galinhas. Ciscavam tranqüilas e comoventes, galinhas eternas, imutáveis, galinhas da infância.
Olhar para elas durante a triste cerimônia de sepultamento de uma amiga pareceu-me um oásis na tarde chuvosa. Galinhas acionam ternura em mim. Ternura pela amiga que quis morrer mas não pensou que conseguiria, pelo belo rosto da irmã desfeito pela dor, pela cara séria e assustada de minha filha, por aquelas poucas pessoas solenes em torno do túmulo. Homens de solidéo, chorosas senhoras judias lendo preces em língua que desconheço.
É um consolo, uma sensação de paz, pensar que as aves continuam lá noite e dia, corriqueiras, domésticas.
Suaves galinhas antigas, para todo o sempre.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Árvore de Natal.

Ninguém se deu ao trabalho de ir ao quarto de despejo buscar a caixa da árvore de Natal. O assunto foi ventilado e rapidamente deixado de lado. Parece que temos um acordo silencioso de respeito (?) àqueles que não podemos mais convidar para a festa ou pelo menos imaginá-los, mesmo que sozinhos, doentes, bêbados, passando a noite de Natal em algum lugar.
Aos vivos, a ceia de sempre, quase ninguém se lembra do cardápio dos anos anteriores. Bebidas, claro, sempre muitas bebidas, frutas e doces, tudo familiar e quase cristão.
Será bem parecido com os outros natais, só que sem bolas coloridas e luzinhas piscando.
Este ano, não.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Coisas que provocam certo desconforto.

O vento passando pelo buraco da fechadura.
O cachorro arrepiado, ladrando para o vazio.
Olhar o mapa mundi e saber que sua filha está num país muito distante.
O interfone toca, você atende e ninguém responde. Você pensa “foi um moleque” e volta para o quarto pensando em possibilidades bem mais sérias.
Perceber que seu terapeuta também esqueceu o que você sonhou.
O interfone toca outra vez. Ninguém responde.
Você só ouve o vento.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

.Tolices minhas

Coisas boas de pensar durante caminhadas matinais.

Há um boizinho pastando na montanha verde com neblina.
Numa cela de convento, um frade muito velho tem a fé mais absoluta e os olhos brilhantes de doido.
Na cama beliche um adolescente febril se masturba com cuidado para não acordar o irmãozinho.
Família na Mongólia toma chá quente na tenda e escuta o ruído da tempestade de areia.
Na ilha Sumatra, o orangotango bebê observa atentamente a textura do tronco da árvore, sem saber que ainda vai viver 25 anos.
Ofélia foi salva da água e ficou velha.
Há uma ninhada de pintinhos debaixo da asa da galinha.
O boi almiscareiro não sente frio nenhum.
A lagartixa tem medo de mim.
Na Praça da Liberdade, normalmente, não há repteis.
Meus amigos mortos talvez estejam mesmo descansando.
Bom mesmo é ter nankin e lápis de cor.
O menino pobre canta bem e será famoso.
Caminhadas me fazem saudável e feliz.
Elvis não morreu.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Medo.

Medo.

Passar o cadeado grande no portão da frente, aquele que me liga diretamente com o mundo fora de casa. Verificar se o contato da alça está bem firme na orelha de ferro do batente, depois checar o painel da cerca elétrica: a luz vermelha deve piscar intermitentemente, sinalizando para você que os dez mil volts impedem qualquer ser vivo de ultrapassar os muros altos.
Em seguida, fechar as três chaves da porta de entrada, sintonizar o rádio em alguma estação religiosa e deixá-lo ligado para simular que alguém está acordado, orando, cheio de fé, protegido por Deus.
Depois da primeira escada, ligar a TV bem baixinho. Algum intruso pensará que um notívago atento passa a noite na sala assistindo programas imorais, sentado na poltrona escondida nas trevas da devassidão.
Ao ultrapassar a segunda escadaria, é preciso averiguar se as janelas deste andar estão bem trancadas, cada uma com duas trancas de ferro, além das tramelas de segurança.
A esta altura já posso já posso procurar na televisão de meu quarto algum canal de filmes de terror e dormir, morta de medo de ficar trancada aqui para sempre.