quarta-feira, 11 de novembro de 2009


A sombra.
Quando Menina descobriu que sua sombra projetada no chão pelo sol ou pelas luzes amareladas dos postes era diferente das sombras das primas, passou a odiá-la, a ela, aquela sombra comprida e fina, muito mais longa que as de Soninha e Ana Maria.
Ela gesticulava e falava sem parar, apontava estrelas no céu, fazia de tudo para desviar a atenção das meninas para o alto, temerosa delas perceberem a absurda feiúra de sua sombra. A cabeça, bolinha pequena ao fim da interminável figura sem luz que começava nos pés enormes, antecipando as pernas finíssimas e o vestido medonho de Maria Mijona.
Ana Maria e Soninha tinham sombras graciosas, arredondadas, femininas e principalmente bem mais curtas.
Descobriu o estratagema de andar rente aos muros ou saltitar procurando misturar a imagem odiada às benditas e protetoras sombras das árvores.
Quando foi levada à Bienal de São Paulo e viu as peças de Giacometti surgiu o medo enorme de as pessoas perceberem a semelhança das esculturas com ela, não somente com sua sombra.
A essa altura ela e sombra eram a mesma coisa impalpável, a sombria existência da menina comprida. A sombra se projetava nela, era a sombra da sombra. Menina se apequenava diante dela, a silhueta inevitável e temida passou a reger os movimentos e escolher os caminhos, senhora da situação.
O advento das luzes fluorescentes na iluminação pública trouxe um alívio enorme, Menina passeava pelas ruas nas noites iluminadas sem perceber que a escuridão estava já irremediavelmente incorporada a ela.
Conheceu as acolhedoras salas de cinema, deliciosamente escuras, os teatros sombrios e os recantos boêmios da cidade.
Soninha e Ana Maria, em diurnas atividades e ensolarados namoros, passaram a ser primas distantes.
Menina conheceu outras pessoas em suas andanças noturnas, ursos e lobos solitários agrupados em mesas de bares, ruidosas e exaltadas criaturas que, como vampiros, desapareciam ao nascer do sol.

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