quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Poema de Hilda Hilst.

Hilda Hilst


"Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."

quarta-feira, 11 de novembro de 2009


A sombra.
Quando Menina descobriu que sua sombra projetada no chão pelo sol ou pelas luzes amareladas dos postes era diferente das sombras das primas, passou a odiá-la, a ela, aquela sombra comprida e fina, muito mais longa que as de Soninha e Ana Maria.
Ela gesticulava e falava sem parar, apontava estrelas no céu, fazia de tudo para desviar a atenção das meninas para o alto, temerosa delas perceberem a absurda feiúra de sua sombra. A cabeça, bolinha pequena ao fim da interminável figura sem luz que começava nos pés enormes, antecipando as pernas finíssimas e o vestido medonho de Maria Mijona.
Ana Maria e Soninha tinham sombras graciosas, arredondadas, femininas e principalmente bem mais curtas.
Descobriu o estratagema de andar rente aos muros ou saltitar procurando misturar a imagem odiada às benditas e protetoras sombras das árvores.
Quando foi levada à Bienal de São Paulo e viu as peças de Giacometti surgiu o medo enorme de as pessoas perceberem a semelhança das esculturas com ela, não somente com sua sombra.
A essa altura ela e sombra eram a mesma coisa impalpável, a sombria existência da menina comprida. A sombra se projetava nela, era a sombra da sombra. Menina se apequenava diante dela, a silhueta inevitável e temida passou a reger os movimentos e escolher os caminhos, senhora da situação.
O advento das luzes fluorescentes na iluminação pública trouxe um alívio enorme, Menina passeava pelas ruas nas noites iluminadas sem perceber que a escuridão estava já irremediavelmente incorporada a ela.
Conheceu as acolhedoras salas de cinema, deliciosamente escuras, os teatros sombrios e os recantos boêmios da cidade.
Soninha e Ana Maria, em diurnas atividades e ensolarados namoros, passaram a ser primas distantes.
Menina conheceu outras pessoas em suas andanças noturnas, ursos e lobos solitários agrupados em mesas de bares, ruidosas e exaltadas criaturas que, como vampiros, desapareciam ao nascer do sol.

domingo, 8 de novembro de 2009

Coisas muito bonitas

Coisas muito bonitas.

O gotejar da água no filtro de barro.
Chaleira no fogão.
Gato no telhado.
Carta escrita à mão.
Orvalho na folha de taioba.
Poeira na réstia de sol.
Barulho de vassoura no quintal.
Som de piano na tarde de domingo.
Manga dourada no galho.
Vidro de perfume vazio.
.......................................................................
(Mandem sugestões).
.
PENSAMENTOS QUE DEVEM SER VARRIDOS DA MENTE DURANTE CAMINHADAS MATINAIS.

(caso persistam, consulte seu médico).



As ossadas foram descobertas por dois homens que faziam caminhada em uma ttrilha da mata.



Os meninos estavam caçando passarinhos.

Douglas de Freitas(13 anos) e Pedro Augusto Beltrão(11 anos), desaparecidos, não tinham dentes de leite.



As ossadas encontradas tinham dentes de leite.



Água com flúor evita as cáries.



Cinco exemplares de cachorro-do- mato-vinagre foram encontrados no norte de Minas.São animais de hábitos diurnos que caçam em bando e estão em extinção.



A mulher bonita tem gases na barriga e nem olha no espelho a brancura do pentelho.



Elvis está morto, mortinho,

Pulverizado

Em algum cantinho.

Pieguices

PIEGUICES.

A cadela pensa
Que toda a casa
É dela.

O vento faz um barulhinho safado
No papel picado.

Alguém disse que tenho medo de
Clarice?
Medo horroroso eu tenho é de
Virgínia Woolf,
Pedro Nava e
Lúcio Cardoso.

Nem vou falar nada
Sobre a casa assassinada.

Camelos e bois
São ruminantes
Muito interessantes.

O vestido de sianinha
Não consegue enfeitar
A menininha.

As cachorras brigam
Porque são amigas
E têm lombrigas.


Na multidão, quem sabe,
Está o cara-metade.

O homem bonitão, em casa,
É grosseirão, e a mulher dele,
Tão bonita,
Tem gases na barriga.

Acabo de ver o que não há?
O cachorro adormecido
Me acompanha
Com meigo olhar
De seus falsos olhos
Cor de chá?

O rosto do tinhorão
Quase sempre diz
Não.

O feitor tem
O rosto
Contrafeito.

Mulher inteligente,
Adélia ri e sibila
Feito serpente.

Olinto
O menino bonito
Que primeiro
Me mostrou
O pinto.

Dia não,
Dia sim.
Será que algum dia
Eu gostei de mim?
_______________________

Anti auto ajuda.

PENSAMENTOS POUCO RECOMENDÁVEIS .

-Você nunca vai conhecer os lugares exóticos que vê na televisão.
-O rosto sem expressão do Pai, quando nosso irmão morreu.
-A tarde do dia em que nosso irmão morreu.
-Os dias seguintes.As semanas.
-O tempo todo.
- Agora com intervalos.
-Os olhos do seu cachorro na mesa do veterinário.
-Os olhos do seu cachorro, sempre.
-Você esqueceu a cor, o cheiro, tudo que sentiu em
Portugal.
-A saudade de Don Quixote.
-A saudade de quase tudo.
-A saudade pior e maior daquilo que você nem sabe.
-Elvis, definitivamente, morreu.

Meiguices de pensar.

MEIGUICES DE PENSAR.

1-O barulho das patas da cachorra,à noite,no chão do atelier.
3-O ruminar do boizinho na paisagem.
4-Vento nas bandeirinhas de Volpi.
5-O cheirinho quente de Leonora dormindo.
6-Os dedos de Kico, digitando.
7-A voz ao interfone “Alexandre”.
8-Os sapatos brancos da enfermeira,no hospital.
9-A janela iluminada é da casa de um poeta.
10-O gato morto,inchado,flutuando no ribeirão.
11-Minha tristeza quando a tartaruga verde
faleceu.
12-Ou quando meu avô morreu.
13-Alguém se lembra do 0rgulho da galinha?
Do cheiro quente dela?
Alegria no ninho,dentro do barracão.
14-Queria ser galinha,mas não sou,não..
15-E a ninhada linda de gatinhos
no meio da bananeira,
em pleno carnaval?
16-Os olhinhos deles
17-verdes.
18-Meus olhos olhando para eles,
encantados e escuros.
19-Doce nostalgia da pornografia.
Até que era bacana
Namorar aquele sacana.
20-Aa mangas douradas
caem no telhado
e quebram as telhas
encantadas.
21-O ruído da máquina de escrever
Lettera 22
De minha mãe
Em noite febril de catapora
Chás,pomadas e Veramom.
22-Acordar e procurar ninhadas verdes no bananal.
23-Ouvir o pai sorver o chá e a mãe
a reclamar.
24-Sentar ao sol no corador
comer melancia,
fumar xuxu
e tontear.
25-Gravuras de sabão,no chão,
mostram roupas já passadas.
26-Cheiro de sol,
vento,
sabão português,
camissas
camisolas
toalhas higiênicas
e limpos lençóis
de anil e goma.
Nimguém,então,
Estava em coma.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009


Estranhos amigos, pouco nos víamos, raros telefonemas, cada um em uma cidade. A mim parecia que a Ouro Preto de Paulo Augusto ficava à milhas de distância da Praça da Savassi.
No entanto nossa proximidade era muito grande. Não preciso fechar os olhos para visualizar o olhar escuro e profundo e o sorriso doce de meu amigo. Comigo ele sempre foi suave e cavalheiresco.
Há mais de vinte anos eu o vi pela primeira vez no palco, declamando lindamente Cecília Meirelles e até hoje soa em meus ouvidos sua voz poderosa:
“Quem passar entre as casas triangulares,
quem descer estas breves escadas,
quem subir para as barcas oscilantes,
repetirá perplexo:
“Há um claro afogado nos canais de Amsterdão”.
Estranha ironia?
Mais tarde nos encontramos num desses bares da Belo Horizonte de então e surgiu a amizade, descobrimos até um relativo e longínquo parentesco, um item a mais para solidificar laços de afeto. Amigos, quase parentes.
Anos depois, num episódio digno de ópera bufa, para me defender em uma situação desagradável, Paulinho partiu em minha defesa em grande estilo, um D’Artagnan magnífico e teatral. Este fato mudou o rumo de minha vida. Para melhor. Quanto à dele, mudou também. Mudou-se para Mariana, depois para Ouro Preto, cidade perfeita para o poeta passear os sonhos e a poesia que nunca o abandonaram.