sábado, 29 de agosto de 2009

24 de agosto de 2009.

--Porque as pessoas choram?

--Não sabe? Nunca chorou?

--Uma vez, há muito tempo.

--Quando te deixaram?

--

--As pessoas choram por vários motivos. Quando alguém morre, quando alguém fica só. Quando não conseguem suportar.

--O que?

--Viver. Quando sofrem.

(Kieslowski. “Não amarás”).

21 de agosto de 2009. (composição escolar triste).

Bijou, a cadelinha de nossa casa, morreu há quatro anos.

Ela fez de tudo: fugiu, foi atropelada, ficou velha e manca, conheceu todos os mais escondidos refúgios debaixo da escada, comeu bonbril, matou ratos, mordeu algumas pessoas, lambeu as mãos de outras, andou cega sem pisar em nossos desenhos espalhados pelo chão, passou um tempo triste no hospital, voltou de taxi reconciliada conosco, viveu mais uns dias e morreu.

Há retratos de Bijou , um na sala e outro em meu quarto, como se ela tivesse sido uma parenta antiga com lugar garantido na galeria dos antepassados, junto da avó sombria e do tio-avô poeta.

Meu filho diz que às vezes ouve o barulho das patinhas dela andando pela casa à noite.

Eu não ouço nada.

Nada.

A visita do filho.

2 de agosto de 2009.

Vou fingir que acredito que este homem de olhar evasivo atrás dos óculos é o meu filho. Tentar ser natural e conversar com ele como se não estivesse sabendo que é um impostor que se apoderou de alguma forma da alma de meu filho.

Não é fácil, pois enquanto finjo que acredito nele estou sendo uma impostora também. Quando estou com o meu filho verdadeiro, passo a mão em seus cabelos e o abraço pela cintura. Deste homem não chego nem perto, não temos intimidade para carinhos destes que só se tem com filhos. Ele fala em advogados, computadores, aplicações na bolsa, tem o sorriso ríspido, gestos nervosos de visita de cerimônia e me causa um pouco de medo. Nossa conversa tem longas pausas nas quais cada um pensa que está enganando o outro. Ele boceja, eu ajeito o cabelo, nos entediamos um pouco até ele dizer que precisa ir embora, tem um compromisso.

_Então tá, bom você ter vindo, vai com Deus.

Ele vai com Deus enquanto eu me lembro de um haikai do Millor:

“eu vi que não era ele, ele viu que não era eu.”

Sopa de letrinhas.


Por quê?
(do "Livro dos porquês" -- Tesouro da juventude).

Por que sopra o vento?
Por que não morrem as árvores no inverno?
Por que reina a maior escuridão antes de romper a aurora?
Por que têm as nuvens os bordos prateados?
Por que serena o mar quando lhe deitamos azeite?
Por que anda um cão à roda antes de se deitar?
Por que se avista um espaço tão grande de uma janela pequena?
Por que se enchem as casas de pó, quando se conservam fechadas durante muito tempo?
Por que em certas noites de verão aparecem os campos cobertos de neblina?
Por que a luz não pode dobrar uma esquina?
Por que nossa sombra é maior que nós mesmos?

Quando criança eu me enebriava com as respostas. Hoje me bastam as perguntas.

Por que rosa e não amarelo?
Por que sinuoso ao invés de certeiro?

--Porque as nuvens têm os bordos prateados e nossa sombra é maior que nós mesmos.